Não cheguei a saber os seus nomes, mas o casal francês deixou-me uma profunda impressão. A ideia de que a existência precede a essência pareceu-me uma deliciosa reversão do idealismo platónico. Talvez como o “duchesse”. Sempre me pareceu que o chantilly disposto sobre o bolo se tinha escapado do interior, onde deveria estar originalmente. E tal como é redentor sujarmos os dedos e a boca nas dentadas ao “duchesse”, há uma revolucionária liberdade em saber que somos projetos livres de nos realizarmos na nossa condição humana, independentes de falsas noções de uma essência primordial.
Parece fácil comer um “duchesse”, mas quem o tenha tentado sabe que pode acabar numa trapalhada de creme e pedaços de massa. Como deve cada um orientar a sua vida num mundo sem sentido? Isto num lugar onde está ausente um Deus que dite as regras, uma lei imposta por outros, uma tradição a empurrar-nos para um rebanho? A liberdade humana é a aceitação da responsabilidade de fazer escolhas entre o bem e o mal e de ter a coragem de o fazer com autenticidade. Quando tudo nos faz sentir alienados – cidades sobrepovoadas, excessiva divisão do trabalho que retira sentido à atividade laboral, desconexão com a Natureza, vivências reduzidas à virtualidade social, ditaduras de marketing económico e político – a filosofia existencialista pode ajudar a pôr os pés na terra e a dar um pontapé na falsidade dos nossos tempos.